Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado 
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo 
                                                 [e manifestações de apreço ao sr. diretor 
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
 
                         [o cunho vernáculo de um vocábulo 
 
 Abaixo os puristas 
 
 Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais 
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção 
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis 
 
 Estou farto do lirismo namorador 
Político 
Raquítico 
Sifilítico 
 De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.
 
 De resto não é lirismo 
Será contabilidade tabela de cossenos 
[secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas 
[e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc. Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbados O lirismo difícil e pungente dos bêbados O lirismo dos clowns de Shakespeare 
 
 - Não quero mais saber do lirismo que não é libertação. 
 
 MANUEL, Bandeira. Estrela da vida inteira. 5ª ed. Livraria José Olympio: Rio de Janeiro, 1974. 
 
 TEXTO II 
 Nova Poética
 
  Vou lançar a teoria do poeta sórdido. 
Poeta sórdido: 
Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida. 
Vai um sujeito. 
 Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito 
                [bem engomada, e na primeira esquina 
                [passa um caminhão, salpica-lhe o paletó 
                 [ou a calça de uma nódoa de lama: 
 
 É a vida. 
 
 O poema deve ser como a nódoa no brim: 
Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero. 
Sei que a poesia é também orvalho. 
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, 
 
  [as virgens cem por cento e as amadas 
[que envelheceram sem maldade. 
 
 MANUEL, Bandeira. Estrela da vida inteira. 5ª ed. Livraria José Olympio: Rio de Janeiro, 1974.